A imagem do partido da ética e da esperança decompondo-se na lama veio reforçar a tese de que somos o país que mete os pés pelas mãos e troca os sinais. Tom Jobim já dizia que até o mapa do Brasil é de cabeça para baixo. Outro filósofo popular, Tim Maia, observava que as coisas não podiam dar certo porque aqui "traficante se vicia, cafetão se apaixona e puta goza". Por essa lógica, até eu "acredito em Roberto Jefferson", como já está em outdoors (a dúvida era em relação ao ferimento no rosto, que parecia causado não por um armário de madeira e sim de carne e osso, mas se ele falou, tá falado).
Acho até que deviam mudar o texto para "Creio em Roberto Jefferson, todo-poderoso". Afinal, ele sabe não apenas o que aconteceu, mas o que vai acontecer. Não só Lula se sente refém dele, mas todos nós. Ele demite ministros, manda embora diretores de estatais, afasta procurador da Fazenda Nacional, pauta a imprensa, ameaça seus interrogadores e, no final da sessão, sai às gargalhadas, sendo elogiado e abraçado por governistas e membros da mesa aos quais, como acusado, acusara.
Mesmo a brava juíza Denise Frossard, que teve a coragem de mandar bicheiros para a cadeia no Rio, reverenciou o "corajosíssimo" colega, quando se esperava que fosse protestar contra a generalização de que todos, deputados e senadores, fraudavam suas prestações de contas. "Ninguém aqui é melhor do que eu, vou questionar um por um", ameaçou Jefferson. Em matéria de transgressão ética, supus que houvesse diferença e que alguém ia dizer: "Protesto e provo que não montei caixa dois e nem falseei declaração à Justiça eleitoral." A resposta foi um silêncio respeitoso.
Depois, o repórter Toni Marques mostrou com números aqui no GLOBO que os integrantes da CPI em sua maioria não tinham o que temer, mas mesmo assim ficaram intimidados. Esqueceram de pedir a quebra de sigilo do deputado sob suspeita e temeram até perguntar a causa do ferimento em seu rosto. Só no final de quase dez horas de sessão é que o senador Eduardo Suplicy, cheio de dedos, resolveu fazer a pergunta que não queria calar.
É essa confusão de valores que está levando à crença não só no Roberto Jefferson, mas daqui a pouco também no Garotinho, que foi o primeiro a falar em "partido da boquinha" e é hoje outro paladino da moralidade pública. Em entrevista ao "Jornal do Brasil", ele fez um indignado discurso contra o cinismo e as práticas fisiológicas. A sério.
Como o desencanto é capaz de tudo, ninguém garante que em 2006 os dois... não, aí já é pesadelo.